A audiência pública da CPI das ONGs nesta terça-feira (4) foi marcada pela denúncia de exploração de indígenas na colheita de sementes de copaíba e andiroba, usadas na indústria de cosméticos, por uma cooperativa criada por organizações não governamentais na Floresta Nacional do Tapajós. Em seu depoimento, o líder indígena Miguel dos Santos Correa cobrou investigação sobre a Cooperativa Mista da Floresta Nacional do Tapajós (Coomflona), que estaria se aproveitando da miséria da comunidade para pagar valores muito baixos pelo trabalho na floresta. A audiência foi conduzida pelo presidente da CPI, senador Plínio Valério (PSDB-AM).
Cacique da aldeia de Bragança (PA), Correa disse aos senadores que a Coomflona paga uma diária de R$ 3 para colheita de sementes, “lá dentro do mato com cobra, se arriscando com chuva, com tudo”. Ele acrescentou que uma grande empresa de cosméticos compra as sementes por valores elevados, mas os recursos nunca revertem em benefícios para as comunidades. Ele acusou a Coomflona — criada, segundo ele, com recursos das instituições alemãs KfW (Banco de Desenvolvimento) e GTZ (Agência Alemã de CooperaçãoTécnica) — de gerar várias “ongzinhas” para dificultar o trabalho dos críticos de seus métodos, e associou a cooperativa à exploração ilegal de madeira.
— O nosso povo não planta, o nosso povo não cria, porque ele está sendo impedido, mas a Coomflona tem direito de tirar toneladas e toneladas de madeira, e ainda assinadas pelo ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], dando autorização para ser tudo legalizado — denunciou.
Segundo Correa, as ONGs teriam chegado com o “papo doce de uma vida maravilhosa” e tiveram o efeito de uma “pandemia” dentro da floresta. Ele disse que “dá medo” entrar na Floresta Nacional do Tapajós, controlada pelas ONGs, e os que criticarem a situação “daqui a pouco estão na cadeia ou estão mortos”.
— [As ONGs] recebem dinheiro, muito dinheiro, dos governos aí de fora, em nome das comunidades, e levam só a desgraça para dentro. Fizeram um poço artesiano que dava água para todas as nossas famílias, eles foram patrocinados pelo dono da Louis Vuitton (...) e fizeram o quê? (...) As pessoas que não apoiam aquelas ONGs, eles cortam, e nós não tivemos mais água potável para tomar: só deram água para aquelas famílias que os apoiam. Se nós quisermos água potável, nós temos que trabalhar muito para conseguir cavar um poço — protestou.
O conselheiro da área de proteção ambiental (APA) Triunfo do Xingu (PA), Marcelo Norkey Duarte Pereira, lembrou que vive numa das maiores unidades de conservação do mundo — a Estação Ecológica Terra do Meio —, que teria se transformado em uma “câmara de gás verde” para seus habitantes. Ele atacou a influência de fundos internacionais para a execução de uma política ambiental da “caixa vazia”.
— O que é a caixa? Quando a gente compra um produto de outro país, a gente espera chegar, a gente fica ansioso e, quando a gente abre aquela caixa, não tem nada dentro. Essa é a política ambiental apoiada pelo governo brasileiro — criticou.
Também o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi avaliado por Pereira como um “voo de galinha”. Ele contrastou as demandas internacionais sobre desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente com a omissão do PPCDAm sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), que têm como primeiro item o combate à pobreza, à fome e às desigualdades.
— De 2012 para cá, a galinha caiu no chão e não andou mais. Por quê? Porque é uma política ambiental insustentável, que não olha para as pessoas, que não olha para o ser humano, que não cuida das pessoas.
Em resposta às perguntas do relator da CPI, senador Marcio Bittar (União-AC), Marcelo Norkey Duarte Pereira citou ONGs que receberam dinheiro público, mas teriam apresentado projetos incompletos para a criação de unidades de conservação — entre outros fatores, as entidades não teriam citado o potencial mineral das regiões em estudo. Ele mostrou aos senadores o que chamou de “estudo técnico-científico meia-boca” elaborado pela organização Instituto Socioambiental (ISA), contratado pelo governo federal, que teria viabilizado a aprovação de sete unidades de conservação numa operação com a finalidade de “iludir o país”.
— Ela foi feita para bloquear o desenvolvimento, para impedir que os produtores se conectem com a BR-163. Você constrói a BR-163, você gasta milhões, você investe (...), mas você impede que a produção encontre o eixo principal de exportação brasileiro. Então, foi feita para isto: estratégia para bloqueio. Só que bloqueou os nossos direitos — criticou.
Pereira reiterou a associação entre altos índices de desmatamento e áreas de assentamentos e acrescentou denúncias de afrouxamento de licenças ambientais e criação de projetos de assentamento em anos eleitorais. Ele questionou para onde vai o dinheiro que deveria ser repassado pelo ICMBio para indenização e realocação das unidades de conservação, mas admitiu desconhecer se as ONGs exploram minérios nas unidades de conservação — no entanto, acredita que as organizações possam estar se beneficiando da situação.
Ele preferiu não citar representantes de ONGS, mas disse que todos os nomes já constam nas atas das reuniões do Conselho Gestor do ICMBio. Marcio Bittar perguntou se Pereira teme represálias ou retaliação se citar nomes.
— Eu acho que beira usar a máquina estatal para perseguir quem fala diferente — respondeu.
O senador Dr. Hiran (PP-RR) acrescentou que, com os recursos da CPI, é fácil descobrir os responsáveis pelas ONGs citadas. Ele ressaltou o impacto negativo das reservas indígenas sobre a economia de Roraima.
Em sentido semelhante, o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) criticou o excesso de requerimentos para demarcação de terras indígenas no Pará, onde, segundo ele, vivem no máximo 55 mil indígenas. O senador Jaime Bagattoli (PL-RO) e Dr. Hiran cobraram um posicionamento do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sobre a regulamentação do marco temporal das terras indígenas ( PL 2.903/2023 ) para evitar “derramamento de sangue”.
Representando a etnia caiabi, no Baixo Xingu (MT), Luciene Kujãesage Kayabi questionou a eficácia da atuação das ONGs na proteção dos direitos dos povos indígenas, que ainda estariam sendo humilhados, mortos e massacrados sob uma “cortina de fumaça”.
— Quais são as ONGs que estão protegendo nosso povo? Se alguém aqui citar uma que protege de verdade, eu vou parabenizar. Mas se tiver ONGs que não protegem o nosso povo, eu vou ajudar esta CPI a colocá-las todas no seu devido lugar. Que cuidem da sua família, porque da família indígena, dos povos originários, dos povos nativos cuidamos nós. Vocês gostariam que alguém invadisse os lares de vocês e dissessem: "Eu cheguei aqui para organizar o teu quarto, a tua sala, a tua esposa, os teus filhos, o teu trabalho, o teu celeiro, o teu cartão de crédito?". Com certeza, não — argumentou.
Luciene salientou o “dom milenar” de seu povo de proteger as florestas, mas cobrou respeito à agricultura indígena — que considera prejudicada por licenciamentos jurídicos e embargos do Ministério do Meio Ambiente — como meio de conduzir os povos originários a uma existência digna. Ela ressaltou que as ONGs têm fortes meios de persuasão e “manipulam do início, no meio e ao fim” o sonho dos povos indígenas.
— Se nós não mudarmos as nossas mentes e consciências e a forma de lutarmos, de verdade, pelo povo indígena, ainda assim, no século 21, nós não vamos estar fazendo nada pela vida humana dos povos indígenas, mas vamos estar, sim, apoiando essas ONGs a fazer o que elas sempre fizeram: arrecadar dinheiro do exterior, arrecadar dinheiro do governo brasileiro para se enriquecerem, porque só elas que têm o domínio financeiro de toda essa doação que elas recebem por anos e anos e anos.
Para Luciene, a CPI poderá ter oportunidade para abrir a “caixa preta” das ONGs, contribuir para a cobrança sobre o Ministério dos Povos Indígenas quanto à questão da agricultura nas comunidades e fazer leis que sejam realmente benéficas para quem vive na floresta.
Marcio Bittar opinou que, por trás do discurso das ONGs, há uma “guerra econômica” por parte de países que não querem o desenvolvimento do Brasil. Luciene chamou a atenção para o aumento da desnutrição entre os indígenas, o que lhe parece parte de um plano destinado a provocar a miséria.
— Os Estados Unidos têm investido muito dinheiro nas ONGs, mas as ONGs ficam lá também, pintando-nos: "Olha lá os coitadinhos; olha lá os miseráveis, olha como que eles estão, nós precisamos ajudá-los". E nós não precisamos da ajuda deles. Nós precisamos é nos ajudar. Eles não precisam falar por nós. Não adianta também o Canadá investir aqui. Que investimento é esse, se nós não temos nem asfalto lá dentro, nem uma padaria dentro das aldeias? — indagou.
A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) disse que o povo da Região Norte está pagando a conta da política ambiental enquanto outras regiões se desenvolvem. Como exemplo, ela lembrou que Macapá tem apenas 3% de saneamento básico, mas o Amapá tem 77% de seu território preservado. E criticou o “ideal imaginário” que condenou indígenas a viverem como em 1500. Também atacou a relativização da soberania nacional sobre as riquezas da terra.
— Nós deixamos de entender que o nosso país é uma potência e pode, sim, começar a coordenar, comandar eixos econômicos no mundo. Mas nenhum país, nenhum interesse internacional quer permitir que isso ocorra. Então, para isso, ele precisa segmentar, separar, dividir, separando, dividindo e criando estímulos para conflitos — disse.
Na abertura da audiência pública, Plínio Valério manifestou seu empenho de fazer a CPI mostrar a “outra face da moeda” sobre os povos da floresta que as ONGs “não defendem nem representam”. Ele criticou a falta de interesse de muitos órgãos de imprensa sobre os trabalhos do colegiado.
— Essa realidade cruel que nós mostramos aqui no primeiro minuto, vamos continuar com isso, dando palavras aos invisíveis. Quero agradecer por terem nos ajudado a furar esse bloqueio; e há um bloqueio muito grande, na realidade, uma tentativa de fingir que a CPI não existe.
Antes da audiência pública, os membros da CPI aprovaram, em bloco, três requerimentos: um de convite a técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) que examinaram processos relativos à atuação de ONGs na região amazônica; um de prestação de informações por cartórios sobre compras de terras em larga escala nas comarcas de São Gabriel da Cachoeira, Autazes, Coari, Santa Isabel do Rio Negro, Barcelos e Novo Airão, todas no estado do Amazonas; e outro de requisição de servidor da Receita Federal.
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