Promover uma educação inclusiva e combater a desinformação estão entre os principais desafios apontados por senadores e por especialistas para ampliar a confiança e o apoio à ciência e tecnologia (C&T) no Brasil. Essa defesa foi feita durante audiência pública promovida pela Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT), nesta quarta-feira (28).
Os participantes levantaram dados de pesquisas feitas pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que apontam a limitação de acesso ao conhecimento científico no país, as desigualdades nesse acesso e o impacto causado pela forte campanha de desinformação identificada no período pandêmico.
Na avaliação da diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Laila Salmen Espíndola, a divulgação científica precisa ser a palavra de ordem para que o país vença a “guerra contra a indústria produtora de fake news”. Ela alertou que a “campanha de desinformação”tem feito com que doenças já erradicadas ou controladas retornem, inclusive com agravantes, atingindo principalmente os mais vulneráveis.
— Somos sobreviventes do negacionismo científico e sanitário oficialmente instalado nesse país durante o auge da pandemia. Termos ficado vivos representa com certeza uma missão. Precisamos nos unir para combater as fake news, reafirmando os valores éticosdo conhecimento científico para recompor a saúde. Para isso precisamos priorizar a inclusão social, em todos os níveis, em todos os sentidos. Considerar o meio ambiente como um patrimônio a ser estudado e defendido, além de estabelecer o papel decisivo da educação e da ciência”.
O Senador Izalci Lucas (PSDB-DF), autor do requerimento para a realização do debate, fez referência às pesquisas do MCTIC que mostram o desconhecimento da população brasileira sobre os cientistas nacionais e a baixa participação em eventos científicos e de inovação.
— Constatou-se que o acesso a informação é limitado e que as visitas aos locais de ciência e tecnologia diminuíram. Em 2019, 82% dos brasileiros não visitaram ou participaram de iniciativas em locais de ciência e tecnologia. O que fazer para modificar esse cenário? — questionou o senador aos debatedores.
O parlamentar também transmitiu aos especialistas os questionamentos feitos por internautas que estavam acompanhando o debate através do portal E-cidadania. Grande parte das perguntas foi em relação as motivações que levaram os brasileiros, recentemente, a desconfiar da ciência. Eles citaram como exemplo a baixa cobertura vacinal registrada nos últimos anos.
Na visão da secretária de Políticas e Programas Estratégicos do MCTIC, Márcia Cristina Bernardes Barbosa, esse cenário só pode ser alterado através de um projeto que pense um sistema de educação com método e ética científicos adaptados a nova realidade das crianças e dos jovens e que envolva todas as camadas da população. Somente através dessa educação, acredita ela, será possível criar “uma confiança na autoridade do conhecimento”.
— A educação precisa trazer não só novidades para os jovens que não estão com a mesma dinâmica de ficar sentado numa sala de aula que parece uma linha de montagem. Eles também precisam ter uma construção de conhecimento que não é um conhecimento de memorizar — avaliou.
Apesar de reconhecer quea “negação da ciência não é de hoje”, a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, alertou ser um movimento mundial e que é preciso entender esse fenômeno a partir do questionamento sobre “a quem interessa” essa campanha para desacreditar o desenvolvimento científico.
— O pai vacinado que não teve poliomielite por causa da vacina não está vacinando seu filho. E eu vejo que tem medidas que precisam transcender algumas coisas da chamada liberdade. Porque a criança é responsabilidade do Estado brasileiro. A criança não sabe dizer que quer tomar a vacina. Mas o Estado brasileiro sabe que ela precisa da vacina.
O professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Yurij Castelfranchi, que esteve à frente desses estudos,apontou a necessidade de se avaliar melhor os fatores que influenciam o negacionismo.
— Nem em todo caso o fator central é a ignorância. Nós mostramos, nas nossas pesquisas, que existem pessoas com acesso ao conhecimento científico e que mesmo assim rejeitam as evidências científicas por motivo de interesse, por razões políticas. E que pouquíssimos brasileiros que têm baixo acesso ao letramento científico, em geral, apoiam sim a ciência. Não é apenas a ignorância e a falta de acesso ao conhecimento que geram atitudes de hostilidade. Mas a desinformação tende sim a gerar incerteza. Incerteza de confiança nas instituições, não tanto no conhecimento científico — acrescentou.
O levantamento feito pelo CGEE e citado pelos debatedores indica que, apesar de 62% da população brasileira declarar ter algum nível de interesse em C&T, os dados trazem um alerta sobre o desconhecimento acerca do tema. 90% dos entrevistados não souberam apontar o nome de algum cientista e 88% não se lembrava de nenhuma instituição de ciência, nem mesmo universidades. Por outro lado, o divulgador científico, Átila Iamarino, que ficou conhecido durante a pandemia por apresentar e defender os dados científicos em relação a covid-19 nas redes sociais, apontou para dados que, segundo ele, evidenciam a necessidade de mudança em comunicar, educar e se investir em ciência.
O mesmo estudo do Ministério da Ciência e Tecnologia indica que o consumo dessa temática entre os jovens, de 15 a 24 anos, está centrado nas plataformas digitais como Google, YouTube, WhatsApp, Facebook e Instagram. O que, conforme o cientista, mostra um viés ainda mais forte de busca por conteúdo em vídeo de curta duração, que retém atenção por um curto período de tempo. Um consumo de conteúdo, segundo ele, feito de forma passiva e sugerido pela lógica do algoritmo.
— Então se a gente quer motivar os jovens, trazer de volta os jovens para as universidades, falar com eles e formar os futuros profissionais em pesquisa e ciência, temos que considerar esses meios digitais— defendeu, ao citar como exemplo os planos estratégicos de divulgação feitos pelos Estados Unidos à agência federal NASA (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço), com o objetivo de ampliar a credibilidade, a atenção e o engajamento na ciência e inovação.
A empresa 3M do Brasil conta com o trabalho de 100 cientistas no país e já desenvolveu mais de 55 mil produtos através da tecnologia e inovação para melhorar e facilitar a vida do cidadão. A líder da corporação, Adriana Blikstein, divulgou estudo feito em 2019 o qual mostra que 86% dos brasileiros estão mais preocupados com as mudanças climáticas hoje do que no passado. Além disso, segundo os dados da mesma pesquisa, 77% afirmaram que acreditam que as mudanças climáticas são reais e que irão afetá-los pessoalmente.
Olhando para esses dados, Blikstein defendeu que o Legislativo dê prioridade na aprovação de projetos que estimulam a preservação ambiental, como o PL 412/2022 , que regula o mercado de carbono e o PL 398/2018 que incentiva a entrada de meninas e mulheres na área científica.
— A ciência e a comunidade científica devem ser uma representação de nossa sociedade. Mulheres e meninas constituem a metade da população mundial e precisamos mostrar que elas também podem ser cientistas. Mais diversidade nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática levam a melhores soluções.
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