Audiência pública da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) nesta segunda-feira (8) foi marcada por duras críticas à empresa petroquímica Braskem, que não estaria compensando adequadamente as vítimas da tragédia de março 2018 — na ocasião, o solo de cinco bairros de Maceió (AL) afundou em consequência da extração excessiva de sal-gema, afetando cerca de 200 mil pessoas.
Os debatedores criticaram osbaixosvalores de indenização oferecidos pela empresa às famílias afetadas, apontaram risco de exploração imobiliária dos terrenos desocupados e transferidos à Braskeme atacaram os critérios de transparência social e ambiental da petroquímica numa fase de possível reorganização acionária da empresa.
A promoção da audiência pública interativa atendeu a requerimento ( REQ 17/2023 – CRE ) dopresidente da CRE, senador Renan Calheiros (MDB-AL),que também presidiu o debate.Na justificação do pedido, o parlamentar afirma que”antes(...)de se avançar em negociações que possam resultar em lucros e dividendos bilionários para empresários e acionistas, que sejam claramente pactuadas as obrigações, honrados os compromissos sociais com o estado e, sobretudo, com as famílias agonizantes por anos de exploração ambiental desmesurada”.
Na audiência,Renan destacou as proporções da tragédia humana e do desastre ambiental,que considerainequivocamenteligadosà atividade da Braskem,e afirmou que o problema demanda uma discussão em nívelnacional, por afetar a imagem do Brasil no exterior.Ele classificou a mineração de sal-gema como um “cavalo de Troia” para Maceió e cobrou das partes envolvidas o compromisso de pagamento justo pelo prejuízo causado pela Braskem, em bases satisfatórias para as vítimas e o estado.
— O caso ganha gravidade e magnitude em razão das negociações, algumas sub-reptícias, para a transferência total ou parcial das ações da empresa. Tratativas públicas ou escamoteadas não irão prosperar até que os prejuízos causados sejam honrados.
O senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) citou outros acidentes, como os derramamentos de petróleo no litoral e os rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, e cobrou um trabalho sério para prevenção e mitigação de riscos em atividades econômicas.
— Os desastres acontecem e depois a gente chora as pessoas e os bens que foram perdidos. A melhor solução é a prevenção, e que a reparação seja feita de forma correta.
Osenador Randolfe Rodrigues (Rede-AP)cumprimentou Renan por sua “obstinação” no enfrentamento do caso Braskem, que considera uma causa do povo brasileiro e do Senado.
Presente na reunião, o governador de Alagoas, Paulo Dantas,também considerou inconcebível tratar da venda de ações da Braskem sem incluir na pauta a indenização às vítimas. Ele pediu a ajuda do Senado para a “reconciliação da empresa com a sociedade e suas instituições”.
— Não podemos desperdiçar nem um centavo. Muito além do dano emergente, que é o prejuízo em si, há que contabilizar os lucros cessantes, que são os ganhos que o estado de Alagoas ficou impedido de desfrutar em razão da lamentável ocorrência.
O coordenador do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública de Alagoas, Ricardo Antunes Melro, disse que o povo do estado tem sido maltratado e chantageado pela Braskem nos acordos para pagamento de danos materiais e morais, violando a Constituição e o ordenamento jurídico. Melro contrastou os baixos valores das indenizações pagas pela Braskem com a distribuição de lucros de R$ 7,1 bilhões no mesmo período. Ele também manifestou a possibilidade de a empresaconseguir lucros imobiliários construindo em áreas devastadas que possam vir a ser consideradas habitáveis.
— A população está aceitando [indenizações reduzidas] em massa não porque entende que é justo, mas porque foi colocada por dois anos em situação de penúria.
Odeputado federal Rafael Brito (MDB-AL) salientou que sua família também foi vítima da tragédia da Braskem, e que a indenização consiste praticamente em um contrato de compra e venda da área afetada.
— Não há perda financeira para quem causou o crime. Os imóveis que foram indenizados não podem ser tratados como ativos.
Por sua vez, o deputado estadual de Alagoas Alexandre Ayres (MDB)espera que a legislação seja modificada para impedir o “uso mercadológico” das áreas devastadas. O parlamentar sublinhou o atual movimento especulativo em torno das ações da Braskem como um momento oportuno para reparações ao estado e ao município e para revisão das indenizações.
O professore mestre em geotecniaAbel Galindo Marquesfez uma exposição sobre a dinâmica das minas de sal-gema em Maceió, mostrando como os poços foram feitos gradualmente com maior diâmetro e menor afastamento — situação que ele atribuiu à “ganância” da Braskem.
— Mais de 70% dessas minas estão com fator de segurança muito abaixo do mínimo necessário. Por isso é que desabaram.
Presidente da Associação dos Empreendedores no Bairro do Pinheiro (uma das áreas afetadas), Alexandre de Moraes Sampaio afirmou que a Braskem enganaa Bolsa de Valores, as vítimas e o Estado brasileiro —na condição de acionista da Petrobras,que pode incorporar a Braskem—com o uso de termos enganosos sobre sua responsabilidade ambiental.Segundo as estatísticas que apresentou, quase 50 mil imóveis no entorno da área de risco perderam o direito à cobertura de seguro e, portanto, não podem ser financiados.
— Há um esforço deliberado e ilegal de mascarar o tamanho da dívida social e econômica da Braskem.
O líder comunitário Antônio Domingos dos Santos, representante de bairros atingidos,repercutiu a apreensão dos moradores com a possibilidade de novas tragédias e definiu que as indenizações são “irrisórias” e impostas “goela abaixo” das comunidades.
Maurício Sarmento da Silva, representando o Movimento Único das Vítimas da Braskem (MUVB), disse que o crime ambiental destruiu comunidades tradicionais vivas e ricas em históriaque a Braskem insiste em eliminar. Já Hugo Wanderley, presidente da Associação dos Municípios Alagoanos, ressaltou os efeitos adversos da tragédia de Maceió sobre todo o estado.
A socióloga Camila Dellagnese Prates denunciou a falta de transparência dos dados apresentados pela Braskem e a tentativa da empresa de classificar o desastre como “dano geológico”.O professor José Elias Fragoso Pereiracontestou o “castelo de lendas” em torno da importância econômica da Braskem para Alagoas.
Entre outros participantes do debate, estãoIsadora Padilha de Holanda Cavalcanti, presidente do Instituto para o Desenvolvimento das Alagoas;osociólogo Edson José de Gouveia Bezerra;eTereza Nelma, secretária nacional de Aquicultura.
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