O estabelecimentos de critérios objetivos para que juízes mantenham presos ou soltem os acusados de crimes pegos em flagrante aumentará a segurança pública e diminuirá questionamentos contra as audiências de custódia — quando o investigado é ouvido pelo magistrado nas primeiras 24h da prisão em flagrante. Foi o que disseram juristas participantes de audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quinta-feira (13).
A reunião foi presidida pelo senador Sérgio Moro (União-PR), relator do projeto de lei (PL) 226/2024 , que estabelece novos critérios para a audiência de custódia. Do ex-senador e atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, o projeto cria quatro hipóteses para o juiz decidir se o acusado é perigoso para voltar à sociedade: o uso de violência na prática do crime; a participação em organização criminosa; a relevância das drogas ou armas apreendidas; e a existência de outras investigações em curso.
Para Moro, que também é autor de projeto sobre audiência de custódia, já aprovado na Comissão de Segurança Pública ( PL 10/2024 ), requisitos propostos no texto de Dino diminuirão a soltura de criminosos envolvidos em crimes graves ou que possam reincidir em outros delitos. Na sua opinião, esses casos geram desaprovação da opinião pública com relação à audiência de custódia, que considera um instrumento importante.
— Embora [a soltura em crimes graves ou reincidência após a liberdade] sejam eventos pontuais, a falta de critérios acabam no fundo fazendo com que o instituto seja visto como “porta giratória” de criminosos para a sociedade. Claro que os juízes não têm bola de cristal, mas [esses casos] chamam a atenção e acabam gerando essa postulação de acabar com a audiência de custódia — disse o senador.
Na avaliação do juiz auxiliar de Dino no STF, Anderson Sobral de Azevedo, a percepção negativa sobre as audiências de custódia é baseada nos casos que têm repercussão na mídia. Mas ele apontou os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que a seu ver revelam outra realidade. De 2015 a 2023, foram realizadas 1,15 milhão de audiências de custódia, sendo 632 mil convertidas em prisão preventiva.
— Mais da metade daqueles levados à audiência de custódia permaneceram presos. A despeito de uma percepção da sociedade, na média a audiência de custódia contribui para a prevenção do cometimento de novos crimes — disse Azevedo.
Para ele, o projeto auxiliará o juiz a encontrar elementos concretos para considerar o preso perigoso. Segundo o Código de Processo Penal ( CPP, Decreto-Lei 3.689, de 1941 ), a prisão preventiva deve ser aplicada, entre outros casos, quando a liberdade do investigado gerar uma situação de perigo à ordem pública. O projeto de Dino detalha justamente essa situação, que hoje é “um conceito muito abstrato”, difícil de valorar e que gera insegurança jurídica, segundo Azevedo.
No entanto, para o senador Jorge Seif (PL-SC), a porcentagem de presos em flagrantes que são soltos é alta. Segundo o CNJ, ocorreram quase 520 mil solturas entre 2015 e 2019.
— Nos casos que são publicizados, é um habeas corpus [proteção jurídica contra a prisão] automático para os malfeitores — disse Seif.
O procurador regional da República da 1ª Região Vladimir Barros Aras observou que as audiências de custódia protegem os direitos dos cidadãos acusados, por permitir ao juiz verificar se houve ilegalidade cometida na detenção, como tortura ou prisão arbitrária. Com o projeto, Aras afirmou que haverá mais segurança, pois o juiz precisará justificar sua decisão.
— O texto exige que as decisões sejam fundamentadas. Não é “mando prender porque mando”, mas “mando prender por isso e por isso”. Essas decisões devem ser públicas, sempre que possível.
Procurador Regional da República na 4ª Região, Douglas Fischer sugeriu mudanças no projeto para evitar interpretações que dificultem a manutenção da prisão. Ele solicitou que, caso o preso em flagrante seja investigado pelo Ministério Público, o juiz também possa manter a prisão. Pelo texto, apenas inquéritos policiais e ações penais na Justiça justificam essa decisão.
Ele explicou que a prisão preventiva é o último recurso a se recorrer. Há medidas alternativas para evitar, por exemplo, a fuga do acusado. Mas Fischer apontou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil diversas vezes por não punir adequadamente criminosos, e que as audiências de custódia não devem ser instrumento de impunidade e insegurança.
— O Brasil em alguns casos prende mal, mas solta muito e [solta] mal aquelas pessoas que deveriam estar presas. O Brasil foi condenado 13 vezes na Corte, todas elas por uma deficiência na aplicação da lei para responsabilizar aquelas pessoas que cometem fatos criminosos.
Aras e Fischer relacionaram os desafios do sistema de justiça com o fortalecimento de organizações criminosas. Segundo o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), as facções criminosas se beneficiam das falhas da Justiça, como o agrupamento de presos nos presídios.
— O Estado brasileiro vive uma situação de guerra interna, é a realidade que não podemos fugir. Um dos calcanhares de aquiles que temos, nosso sistema penal, precisa ser melhorado. Não podemos continuar misturando nos presídios aqueles bandidos que são líderes de facção com meliantes de menor periculosidade. Se não conseguirmos consertar isso, vamos continuar fornecendo tropa pro crime organizado.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) também apontou a dificuldade com o crime organizado no estado do Ceará. Segundo ele, “tem que pedir autorização [para o tráfico] para entrar à luz do dia em certos bairros”.
Em resposta a Moro, os convidados disseram ser constitucional a inclusão, no projeto, da coleta de material genético dos presos em flagrante durante a audiência de custódia. As coletas compõe o Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG), coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Segundo Moro, a medida facilitará a resolução de novos casos policiais.
— Temos desde 2012 o BNPG, que é como se fosse uma moderna impressão digital. É simplesmente passar um cotonete na boca [do preso] e colocar nesse banco. Isso possibilita solucionar vários crimes, exonerar inocentes…
Apesar de, desde 1969 a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, prever a audiência de custódia, ela demorou a ser implementada no Brasil. Sem esse instrumento, os juízes recebiam apenas em documento o relato sobre os presos em flagrantes, e decidiam sobre a manutenção ou não da prisão sem ver ou ouvir o acusado pessoalmente.
Em 2015, o CNJ implementou projeto para instituir o mecanismo jurídico, com adesão de todos os estados. Com a Lei 13.964, de 2019 , proveniente do chamado " pacote anticrime ", o CPP passou a prever regras específicas para as audiências de custódia, como prazos e responsabilização das autoridades pela não realização da audiência.
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