Parlamentares, especialistas e representantes da sociedade civil defenderam nesta terça-feira (12) a aprovação do projeto de lei (PL) 2.338/2023 , que regulamenta o desenvolvimento e o uso da inteligência artificial (IA) no Brasil. Eles participaram de uma sessão de debates temáticos no Plenário.
A votação do PL 2.338/2023 na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial está marcada para esta quarta-feira (13), às 14h. Na próxima semana, a matéria proposta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a partir do anteprojeto apresentado por uma comissão especial de juristas, deve ser levada ao Plenário da Casa.
O relator PL 2.338/2023 é o senador Eduardo Gomes (PL-TO), que apresentou um substitutivo ao projeto de Pacheco. Durante a sessão desta terça-feira, ele afirmou que regulamentação da IA não deve ser confundida com outros temas, como "o combate às fake news e à polarização política".
— A gente tem insistido em deixar esse assunto completamente fora da atmosfera do debate político. Se a IA resolvesse a questão de polarização política, a gente já tinha a solução para nossos problemas. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Não tem nada a ver com regulamentação específica de fake news ou qualquer outra coisa. É uma tecnologia que vai estar presente em tudo o que estamos fazendo. A gente vai ter que ter paciência e exercício democrático do debate para achar a solução — disse.
Para o presidente da CTIA, senador Carlos Viana (Podemos-MG), o projeto de lei encontrou “o ponto de equilíbrio” entre o desenvolvimento da tecnologia e o respeito aos direitos humanos.
— O mundo tem se debruçado e discutido muito essa questão, e o Parlamento brasileiro se propõe a estar na fronteira do conhecimento. Nossa intenção é colocar uma lei moderna para que o uso da inteligência artificial não prejudique a democracia, a privacidade e os direitos humanos. Mas também para que nós não impeçamos o desenvolvimento de uma tecnologia que vai melhorar e muito a condição da humanidade — afirmou.
Para o senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), o país não pode esperar para regulamentar o desenvolvimento e o uso da tecnologia.
— Não podemos ficar para trás em relação a outros países porque, de uma forma ou de outra, nós vamos usar IA. Seja ela feita aqui, seja ela feita lá fora. Se ela for feita lá fora, a gente vai ter muito menos condições de saber como mitigar os riscos da utilização da IA — argumentou.
O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, João Caldeira Brant, também participou da sessão. Para ele, o projeto de lei reflete a preocupação do Brasil com a prestação de “informações precisas e confiáveis”. Brant, no entanto, criticou alguns “pontos ausentes” no substitutivo, como a repressão àsdeepfakes— adulteração de fotos e vídeos por meio de IA.
— O projeto acaba sendo tímido ao não tratar diretamente desse tema. Acho que o reconhecimento do risco de isso afetar pessoas públicas [...] deveria estar considerado de uma forma mais direta no texto para que a gente não tenha esse impacto negativo da tecnologia — afirmou.
A advogada Estela Aranha, membro do Conselho Consultivo de Alto Nível das Nações Unidas para Inteligência Artificial, defendeu a inclusão no texto de mecanismos para inibir o que classificou como “discriminação algorítmica”.
— Há fartas evidências estatísticas e cientificas de que os algoritmos apresentam vieses que levam a resultados discriminatórios, mesmo que de modo intencional. Na literatura, a discriminação é um artefato próprio do processo tecnológico de IA. Isso levar a discriminações ilegais ou injustas. Esses vieses podem replicar e amplificar preconceitos e desigualdades raciais, de gênero e classe — alertou.
O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, também defendeu a regulação como forma de evitar o uso abusivo da tecnologia. Mas destacou o efeito positivo que o desenvolvimento da IA pode gerar sobre a economia brasileira.
— O setor de serviços digitais já representa 9% do valor adicionado no Produto Interno Bruto. O salário médio dos trabalhadores nessa indústria é o dobro do salário médio nas outras indústrias. A gente tem uma oportunidade imensa de aumentar a produtividade, gerar empregos e renda para toda a população. A gente não pode deixar de regular a IA, mas, por outro lado, a gente não pode criar uma lei que impeça a inovação e nos impeça de se beneficiar das vantagens que a IA pode trazer — argumentou.
O presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, Miguel Matos, defendeu a aprovação do PL 2.338/2023. Para ele, a matéria “coloca a proteção de dados pessoais e os direitos fundamentais no centro da regulamentação”.
— É um marco crucial para garantir que a tecnologia seja utilizada de maneira ética, segura e benéfica para todos os brasileiros. Com o poder transformador da IA, vêm também grandes responsabilidades. Precisamos assegurar que seu desenvolvimento e sua aplicação sejam guiados por princípios sólidos de ética e respeito aos direitos humanos — afirmou.
Para Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, o projeto deveria ser mais efetivo na proteção de direitos dos trabalhadores.
— Não existe sistema de IA sem trabalho humano. Existe uma camada enorme de trabalho invisível, responsável por rotulagem dos dados, moderação do conteúdo, supervisão do aprendizado de máquinas. Os cientistas da computação do mundo inteiro estão discutindo a dignidade do trabalho em sistemas de IA. Ou seja: como ocorrem os processos de terceirização e como o Direito pode se posicionar mais firmemente em torno da dignidade do trabalho de dados — explicou.
Por outro lado, o diretor de Relações Governamentais da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), Marcelo Almeida, criticou o excesso de regulamentação.
— No projeto de lei, 95% tratam de direitos e obrigações. Só 5% tratam de inovação e desenvolvimento. Muitas vezes, a criação de deveres e direitos não necessariamente cria empregos, não necessariamente fomenta o empreendedorismo. O excesso de criação de direitos pode contribuir para a paralisia do avanço tecnológico — afirmou.
Para Dora Kaufman, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em IA, o PL 2.338/2023 “não está maduro para ser votado”. Ela defendeu, por exemplo, regras mais claras para assegurar “a implementação, a fiscalização e a obediência da lei”.
— Não vejo quem seria e como estaria estruturada uma autoridade competente. Temos que nos mirar nas dificuldades de todas as autoridades da Europa para cumprir o papel de agência reguladora e fiscalizadora. Minha sugestão é que seja formada uma secretaria-executiva para o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial — disse.
O conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sugeriu que a futura regulamentação autorize o órgão a elaborar resoluções específicas sobre o uso de IA pelo Poder Judiciário.
— Se há um consenso em todo o Judiciário é que ninguém deseja ser julgado um por robô. A IA é útil, pode e deve ser aplicada ao Judiciário. Mas ninguém pretende que sua causa seja submetida a um algoritmo qualquer que cuspa decisões a partir de ‘inputs’ que ele receba das petições iniciais. As decisões deverão continuar a ser do humano. Não estamos delegando à máquina a decisão, mas sim aproveitando o potencial de pesquisa da máquina para trazer uma jurisprudência em maior velocidade e quantidade — exemplificou.
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