A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) promoveu, nesta quarta-feira (13), audiência pública para debater a demarcação de terras indígenas na região oeste do Paraná. O presidente da comissão, senador Alan Rick (União-AC), abriu a reunião, mas passou a presidência para o senador Sergio Moro (União-PR), que solicitou a audiência ( REQ 3/2024 ).
Para Moro, a Lei do Marco Temporal ( Lei 14.701, de 2023 ) representou um avanço. Ele apontou, no entanto, que algumas regiões do país vêm enfrentando problemas com a aplicação da lei. Ele disse que no oeste do Paraná há bastante insegurança, principalmente na região do município de Guaíra (PR).
— Há uma grave incerteza do Executivo sobre o marco temporal. Isso tem trazido insegurança jurídica na região oeste do Paraná, podendo descambar até para a violência. É um microcosmo que reflete a situação do país. Quero rogar ao governo que cumpra a lei — pediu Moro.
O senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) questionou a transparência no serviço de antropólogos contratados pela Funai. Ele também disse que “lamentavelmente o STF não lê da forma como está escrito na Constituição sobre o marco temporal”. Para a senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), o problema da demarcação não se resume ao Paraná. Ela disse que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) precisa zelar não apenas pelos indígenas, mas por todos os brasileiros.
— Precisamos de paz. Ou nós chegamos a um consenso ou não vai dar certo — registrou a senadora.
A senadora Tereza Cristina (PP-MS) disse que é fundamental que a Funai e o Ministério da Justiça informem ao país os processos de demarcação de terras indígenas. Para a senadora, muitos produtores estão impedidos de trabalhar na própria terra, por conta dessa insegurança jurídica. Ela questionou se a Funai não reconhece a legitimidade do Congresso Nacional em legislar sobre o tema e aprovar o marco temporal.
Os senadores Jaime Bagattoli (PL-RO), Marcos Rogério (PL-RO), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Espiridião Amim (PP-SC) e Teresa Leitão (PT-PE) também participaram da audiência. Dr. Hiran (PP-RR) lembrou que é o primeiro signatário de uma proposta de emenda à Constituição para colocar na Carta Magna a questão do marco temporal ( PEC 48/2023 ). Já a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) lembrou que o Congresso Nacional aprovou a lei do marco temporal depois de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) indicar a inconstitucionalidade da tese. Por isso, destacou a senadora, há ações no Supremo questionando a lei.
— A Constituição trata dos direitos dos povos indígenas. Para alterar seria por mudança na Constituição e não por projeto de lei, como foi feito recentemente. A Constituição é superior, isso é elementar — advertiu Eliziane.
O deputado Pedro Lupion (PP-PR) acompanhou a audiência e falou autorizado pelo senador Moro. Ele disse que como produtor rural e representante do Paraná sabia da importância do agronegócio para seu estado. Ele também afirmou que, ao legislar, não estava preocupado com o STF. O deputado ainda disse saber da militância ideológica dentro da Funai e recomendou aos servidores do órgão a suspensão de todos os processos de demarcação.
O prefeito do município de Guaíra (PR), Heraldo Trento, afirmou que a região do oeste do Paraná tem vivenciado uma situação muito complexa. Ele fez um relato de perdas de receitas para seu município, desde a implantação da Usina de Itaipu até mudanças na lei do ICMS – que, segundo ele, prejudicaram o caixa do município. Para o prefeito, a demarcação de terras indígenas tem gerado muita insegurança jurídica e riscos sanitários, tanto para a agricultura quanto para a pecuária. Ele disse conhecer muitos indígenas que eram integrados na sociedade, mas que hoje demandam por terra.
— Guaíra nunca foi ouvido nesses pretensos processos de demarcação. São ocupações urbanas e rurais. Esses absurdos precisam ser registrados neste momento. Precisamos encontrar um bom termo que pacifique essa situação — declarou o prefeito.
O procurador jurídico da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Klauss Dias Kuhnen, disse que a lei do marco temporal deve ser respeitada por todos. Segundo Kuhnen, os municípios de Terra Roxa (PR), Altônia (PR) e Guaíra (PR) registraram invasões de terra produtiva pelos indígenas a partir de 2014. Ele fez uma defesa da importância do agronegócio para o estado do Paraná e disse que mesmo terras registradas antes de 1988 têm sido invadidas por indígenas. De acordo com o procurador, muitos produtores têm tido dificuldade de conseguir crédito junto aos bancos, porque suas terras estão em disputa pela demarcação.
A diretora de Proteção Territorial da Funai, Maria Janete Albuquerque de Carvalho, afirmou que a política indigenista no Brasil remonta a 1910, sendo a Constituição de 1988 seu marco mais relevante. Segundo a diretora, a marcação de terras indígenas faz parte da missão institucional do estado brasileiro. Ela disse que uma demarcação demanda estudo técnico e ressaltou que todo o processo é embasado na lei, garantindo inclusive o contraditório e as contestações.
Maria Janete informou que, na região do oeste do Paraná, muitos povos indígenas perderam suas terras por conta da Usina de Itaipu e disse que a Funai está aberta ao diálogo. Ela também disse que existe um arcabouço legal que precisa ser seguido na demarcação de terras, incluindo a lei que trata do marco temporal, mas não somente essa lei. Segundo a diretora, depois da Lei 14.701, de 2023, a Funai ainda não demarcou nenhuma área. Conforme informou a diretora, hoje há cerca de 400 reinvindicações de estudo para novas terras indígenas.
— Não significa que todos esses pedidos vão resultar na demarcação de novas áreas. Há muitos pedidos duplicados. Cabe à Funai cumprir sua função institucional dentro de parâmetros legais instituídos — declarou a diretora.
O chefe da Procuradoria da Funai, Mateus Antunes de Oliveira, afirmou que a Funai tem seguido toda a legislação, inclusive a lei que trata do marco temporal. Ele ressaltou que o Supremo já decidiu pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal, mas ainda vai decidir ações de questionamentos acerca da validade de trechos da lei. Na mesma linha, o diretor de Promoção de Acesso do Ministério da Justiça, Pedro Henrique Martinez, afirmou que a Constituição traz um mandamento de garantia de terras para os povos originários. Ele disse ainda que o Ministério da Justiça tem procurado atuar para mitigar os conflitos relacionados à demarcação de terras.
De acordo com a coordenadora-geral de Identificação e Delimitação da Funai, Nina Paiva Almeida, o processo demarcatório começa na Funai e passa pelo Ministério da Justiça e pela Presidência da República. Ela disse que, como órgão público, a Funai segue a legislação, mas também fica atenta às decisões dos tribunais. Segundo Nina Paiva, o processo de demarcação exige a participação dos entes federados e permite até mesmo a participação de cidadãos como pessoa física.
— Os estudos são absolutamente criteriosos, para que possam promover os direitos indígenas, mas também contribuir para o ordenamento fundiário em todas as regiões do país — afirmou.
O Senado aprovou , em setembro do ano passado, o projeto que deu origem à lei do marco temporal ( PL 2.903/2023 ). Alguns trechos foram vetados pelo presidente Lula, mas o Congresso derrubou esses vetos , em dezembro de 2023. O STF, por sua vez, já vinha analisando a questão e definiu em setembro do ano passado que é inconstitucional limitar a demarcação à data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. O placar foi de 9 votos a favor e dois contrários.
Já neste ano, alguns partidos entraram com nova ação para o Supremo julgar a lei que trata da questão. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7583, com pedido de liminar, foi apresentada por PT, PCdoB e PV. Os partidos argumentam que o STF já concluiu que a adoção desse marco temporal para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas não é compatível com a proteção constitucional aos direitos dos povos indígenas sobre seus territórios.
Por outro lado, partidos de oposição pediram ao STF que confirme a validade da lei do marco temporal (ação declaratória de constitucionalidade – ADC 87). Os partidos Progressistas, Liberal e Republicanos argumentam que a lei nasce em meio a uma grande disputa política e pedem ao Supremo que declare a constitucionalidade da norma, especialmente de trechos que haviam sido vetados pelo presidente da República e, posteriormente, mantidos pelo Congresso.
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