Especialistas defenderam na quarta-feira (28) a participação pública e a transparência nos processos vinculados à ciência, tecnologia, informação, biossegurança e edição genética. A avaliação foi feita durante audiência pública interativa na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática (CCT) que debateu os desdobramentos da Assembleia Cidadã Brasileira sobre Edição Genética.
Realizada entre os dias 24 e 25 de junho e 1º e 2 de julho de 2023, a assembleia é parte de um movimento internacional que reúne representantes de diversos setores para discussão de controvérsias, sugestões de políticas públicas e ações de regulação. O objetivo é elaborar um conjunto de recomendações a serem encaminhadas às autoridades competentes no tema de cada grupo de discussão. A iniciativa busca enriquecer a participação de cidadãos comuns no debate sobre a regulação de temas sensíveis para a ciência e para as atividades governamentais. A assembleia reuniu 26 participantes de todas as regiões do país, com diversos perfis econômicos, educacionais, religiosos, ocupacionais, raciais e de gênero.
A audiência pública foi proposta pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF), por meio do requerimento ( REQ 33/2023 ), aprovado na CCT presidida pelo senador Carlos Viana (Podemos-MG). Presidente da Frente Parlamentar de Ciência, Tecnologia e Inovação, Izalci destacou, ao longo do debate, que a popularização da ciência, tecnologia, pesquisa e inovação é importante, “evidentemente, preservando a questão do conhecimento, da patente, porque nem tudo pode ser aberto imediatamente, porque pode comprometer, evidentemente, não só o resultado como também o conhecimento do pesquisador”.
— Um dos grandes problemas que nós temos é exatamente a difusão da ciência, a importância da pesquisa. Muita gente não tem o conhecimento da profundidade do tempo, do investimento de uma pesquisa. Muitas vezes, a maioria das pessoas que não tem muito conhecimento acha que as coisas são da noite para o dia. Na questão da proteção intelectual, realmente há grandes investimentos. Evidentemente que tem que ter o retorno, mas, de fato, temos que buscar uma regulamentação melhor com relação a isso – recomendou Izalci.
Na avaliação do professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ricardo Fabrino Mendonça, ”a democracia precisa escutar aqueles e aquelas que são afetadas por decisões políticas”. Cidadãos e cidadãs não são especialistas, mas são afetados por decisões e por desenvolvimentos da ciência e têm algum saber relevante para a tomada de decisões, argumentou ele. O pesquisador ressaltou ainda que “é preciso pensar critérios éticos e foco no interesse público, e não só na produtividade, quando se desenham políticas de incentivo a pesquisa e inovação”.
—É nesse sentido que há uma série de experimentos acontecendo pelo mundo, na verdade, desde os anos 70, fundamentalmente. São júris dos cidadãos dos Estados Unidos, células de planificação na Alemanha, conferências de consenso na Dinamarca, um conjunto grande de experimentos que buscam colocar cidadãos e especialistas em contato para discutir e para ponderar sobre desenvolvimentos tecnológicos e sobre como, de alguma forma, desenvolver ciência, regular ciência, pensar sobre ciência. Isso não significa, em medida, alguma diminuir a importância de especialistas, mas significa que desenvolvimentos científicos afetam a vida de pessoas e que, nesse sentido, existe um movimento mundial para a discussão democrática sobre avanços na ciência, na tecnologia e na regulação dos mesmos — observou Mendonça.
Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) há 27 anos, Eduardo Romano disse que a edição gênica de alimentos é uma ferramenta fundamental para o agronegócio nacional ficar mais competitivo e também para a agricultura familiar produzir mais alimentos e auxiliar no combate à fome. Ele manifestou preocupação com os oligopólios e com as barreiras que beneficiam esses oligopólios na produção de alimentos:
— Essas tecnologias podem e devem ser utilizadas para combater a fome. Arroz mais produtivo, com mudança estrutural, mudança arquitetônica, tolerante à seca, às mudanças climáticas. Enfim, nós não podemos abrir mão dessa tecnologia. O que limita o uso dessa tecnologia no Brasil e no mundo são as patentes. Existem poucas patentes que protegem essas tecnologias. O potencial é gigantesco, mas o que está no mercado? São duas plantas: esse tomate no Japão, reaquecido com gaba; e uma soja que foi desenvolvida com uma melhor qualidade de óleo.
De acordo com Romano, o Brasil precisa de uma estratégia para desenvolver produtos nacionais. Uma das possibilidades é o desenvolvimento de uma ferramenta própria de edição, embora isso demande mais do que um "esforço simples". Outra possibilidade é uma iniciativa governamental para um acordo de licenciamento global que permit ao Brasil usar essas tecnologias [de edição genética], pelo menos para alguns produtos específicos, sem pagamento de royalties:
— Por exemplo, para a redução da fome, para o combate ao crescimento global e também na questão de saúde.
Doutor em Engenharia de Produção e representante da Articulação Nacional de Agroecologia (Ana), Leonardo Melgarejo ressaltou que é preciso avaliar os impactos das pesquisas científicas sobre as ações humanas. Conforme o especialista, no momento em que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) assume que um organismo geneticamente modificado por edição gênica não é um organismo geneticamente modificado e, portanto, pode ser dispensado da avaliação de biorrisco previsto na Lei de Biossegurança, está vedando à sociedade informações vitais. Esse conteúdo é necessário para monitorar os impactos da modificação genética sobre as populações de plantas, sobre os serviços de utilização dessa tecnologia e sobre os impactos dessa tecnologia sobre a saúde humana e ambiental:
— Nós precisamos democratizar os processos de avaliação e democratizar os processos de definição e posicionamento da sociedade a respeito de o que é positivo e o que é negativo nessas tecnologias. Porque agora nós trabalhamos ao mesmo tempo com várias espécies, com várias partes do genoma dessas espécies, em vários locais diferentes, com vários grupos de pesquisadores, porque o custo de fato se reduziu e a atratividade dos benefícios é muito grande.
Professor da Universidade Estadual de Londrina e representante da CTNBio, Galdino Andrade Filho esclareceu que a Resolução Normativa 16/2018 [sobre tecnologias inovadoras de melhoramento genético], de cuja elaboração participou, “foi uma grande discussão, um tremendo avanço para o país, foi um grande avanço da biotecnologia”. Ele ressaltou que a norma simplifica o processo de liberação, o que está permitindo um grande progresso da biotech no Brasil. Hoje, centenas de novas empresas brasileiras, inclusive startups de universidades e de centros de pesquisas, estão trabalhando com a edição gênica e submetendo produtos à CTNBio para serem avaliados, afirmou.
— Quer dizer, houve uma profunda democratização do conhecimento nesse sentido, porque se permitiu que pequenas empresas, até como startups, que têm um pequeno capital, obtivessem produtos para serem avaliados pela CTNBio. As principais economias do mundo têm convidado membros da CTNBio para conhecerem a nossa normativa RN 16. Eu mesmo, antes da pandemia, fui para a China para debater com eles. Diversos membros da CTNBio foram para a Europa, para o Canadá e vão para o mundo inteiro para explicar para os países como isso está acontecendo, porque a nossa lei é o modelo para o mundo inteiro. Hoje, a bioeconomia vem crescendo no Brasil, não só na agricultura, mas na saúde, na indústria de fermentação, na obtenção de novos polímeros. Nós estamos num avanço tremendo da bioeconomia no país. Concluindo, a simplificação não significa permissividade, pois uma análise rigorosa do genoma é feita para verificar se há presença ou não de gene exógeno no organismo editado, o que resulta na completa ausência de DNA e RNA exógeno — ressaltou Andrade.
Professora de Educação Infantil na Prefeitura de Belo Horizonte, Soraia Feliciana Mercês destacou a importância da realização da Assembleia Cidadã Brasileira sobre Edição Genética e defendeu uma alimentação de qualidade para toda a população:
— Éramos 26 pessoas de diferentes localidades, com diferentes experiências de vida, cultura e crença. Foi muito rica a forma como, apesar de todas as diferenças, nós fomos capazes de chegar ao comum, ao que nos afeta como sociedade brasileira. A gente viu como a gente se sente inseguro. Vários alimentos que chegam à nossa mesa muitas vezes não temos conhecimento de que foram modificados e da forma como foram modificados. Como eu sou do povo Puri, a gente entende que a alimentação não é só a quantidade, mas a qualidade do que se ingere, porque a gente não consome só a planta, só o animal, a gente consome também o espírito desses seres e a forma como viveram, a forma como foram percebidos e tratados. Tem muitas coisas a respeito da produção de alimentos que acreditamos que precisam ter cuidado maior e forte dos nossos representantes na forma de legislar e conduzir essas pesquisas. Não queremos que a nossa saúde, a nossa qualidade de vida e soberania alimentar estejam voltadas, exclusivamente, à obtenção de lucro. O lucro a gente sabe bem para onde vai, mas os custos são distribuídos para todos nós, enquanto sociedade.
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