A regulamentação das plataformas digitais, com responsabilização das big techs pela disseminação de conteúdos crimonosos, foi defendida por jornalistas, especialistas e advogados para combater o discurso de ódio propagado pelas redes sociais. As sugestões foram levantadas durante audiência pública do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CSS), nesta segunda-feira (4).
Assessora de Comunicação e Cultura do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a jornalista Letícia Cesarino disse que o discurso de ódio tende ao escalonamento e à radicalização, caso não seja combatido, o que já tem acontecido no ambiente digital. Na sua avaliação, faltam meios, desenhos e metodologias para que o Estado e as políticas públicas atuem para impedir a “soberania paralela” das plataformas digitais, a falta de transparência da política dos algoritmos das big techs, que têm permitido o patrocínio e a propagação de conteúdos criminosos.
Uma das fontes de maior dificuldade para uma política pública efetiva de combate ao discurso de ódio e a regulamentação dos conteúdos nas plataformas é, para Cesarino, a ambiguidade dessa comunicação no ambiente digital. Ela explicou que os conteúdos são produzidos e espalhados por um ecossistema digital, através de influenciadores, que camuflam o teor de ódio e muitas vezes não são vistos como radicais.
— A gente tem camadas na internet em que o discurso de ódio é mais explícito, que tendem a ser camadas mais opacas. Vamos supor, grupos neonazistas. Mas boa parte do discurso de ódio hoje tem um caráter ambíguo. Então às vezes ele passa pelo humor, pode passar pela ironia, pela brincadeira. Às vezes pode se misturar com gênero de discurso teológico [...]. Então às vezes vai passar por uma linguagem mais religiosa, uma linguagem do entretenimento, linguagens próprias da cultura digital que são supostamente áreas sob uma lógica de domínio privado. Porém são lógicas privadas que estão cada vez mais contaminando a esfera pública — afirmou.
Andrea Vainer, diretora da Confederação Israelita do Brasil (Conib), avaliou que apesar de o Brasil ter uma legislação que permite a responsabilização penal, como é o caso da Lei do Racismo( Lei 7.716, de 1989 ), do Marco Civil da Internet ( Lei 12.965, de 2014 ) e também da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), há ainda uma lacuna legal para combater os crimes de ódio que, muitas vezes, se escondem sob o manto do direito à liberdade de expressão. Para ela, isso dificulta a imposição de penas mais severas, gerando uma insegurança jurídica para combater o extremismo e a violência no meio digital.
— A ausência de definição legal dá margem para interpretações no que tange essa questão da liberdade de expressão. E daí também decorre uma certa insegurança jurídica porque há um subjetivismo por parte dos julgadores na avaliação desse tipo de discurso. Muitos magistrados e membros do Poder Judiciário, ao se depararem com esse tipo de situação, até por um distanciamento às vezes de histórico de postura social, entendem que aquilo ali é uma brincadeira, é um discurso infeliz, que seria uma baboseira, que não seria criminoso. Muitas vezes deixam de aplicar a jurisprudência do Supremo porque entendem que aquela situação não atinge uma gravidade para que seja penalmente relevante — apontou Andrea Vainer, que apontou o crescimento, no últimos anos, de ataques antissemitas e de conteúdo neonazista no ambiente da internet.
O advogado Cezar Britto reforçou a defesa de uma estrutura legal, mas ressaltou que é preciso ter, no Brasil, um sistema jurídico mais contextualizado, sensibilizado e conectado com essa nova realidade e que possa enxergar as pessoas mais vulneráveis, no sentido de não reproduzir decisões que repliquem desigualdades e impunidade.
— Não basta só as leis, leis nós temos […]. É preciso colocar dentro daquele lugar [o Judicário] todo o Brasil. Nós nos preocupamos muito com a independência do Judiciário. Mas nos preocupamos pouco com o recrutamento. Quem são recrutados para o Judiciário? E esse é um tema que nós temos que nos aprofundar cada vez mais. Não pode ser só a classe média, média alta. Aquele que nunca trabalhou, aquele nunca pegou um ônibus, aquele que não sabe das dores, não pode ser [magistrado]. Porque se não a gente vai estar reproduzindo um pensamento [de classe] — observou, criticando o sistema que favorece os chamados "concurseiros".
Colunista daFolha de S.Paulo, o jornalista Leonardo Sakamoto relatou ter passado por várias situações de agressão em consequência desses discursos. Ele reforçou que o Brasil passou por uma radicalização nos últimos dez anos e advertiu que uma das frentes de fortalecimento da disseminação de ódio é a tentativa de descredibilizar o trabalho da imprensa, visando dificultar a fiscalização, a transparência e as denúncias de irregularidades seja nos poderes públicos, seja na defesa de pautas ligadas, principalmente, aos direitos humanos e à preservação ambiental.
Nesse sentido, ele defendeu como ações fundamentais o fortalecimento e a unificação da base de dados sobre o ecossistema digital, com o objetivo de formular e aplicar políticas públicas, com a retomada dos observatórios e a federalização de crimes de ódio contra profissionais da imprensa.
Ele também citou como essenciais nessa luta contra o extremismo medidas de proteção aos comunicadores, a oferta de treinamentos a profissionais para assegurar mais segurança no ambiente digital ou fora dele e, principalmente, a regulamentação e responsabilização das plataformas digitais.
— É inadmissível que uma plataforma como o Google não [informe] quem estava pagando um anúncio para me difamar. Ou tantos outros, não é admissível, que o Twitter não retire discurso de ódio pedindo violência contra pessoas, contra jornalistas. Ou que precisa, de certa forma, esperar um pedido, 'descobrir'. E quando a gente descobre, a ação já aconteceu. Quando, muitas vezes, o jornalista descobre uma campanha de discurso de ódio contra ele, a campanha de ódio já surtiu efeito. Você pode até tirar isso das redes, [mas] isso já surtiu efeito.
Sociólogo, jornalista e professor da Universidade de São Paulo (USP), Laurindo Leal Filho disse que a sociedade brasileira foi contaminada pelo ódio desde a formação da sua estrutura social, e que isso tem sido reforçado durante toda sua existência pela concentração de poder dos grandes grupos de mídia. Esse “coronelismo”, segundo ele, agora foi amplificado no ambiente digital e precisa ser enfrentado a partir do fortalecimento da comunicação pública e da regulamentação dos artigos da Lei de Comunicação Social já constantes na Constituição Federal.
— O enfrentamento de tudo isso está na Constituição Federal. Está naqueles quatro artigos em que a República brasileira inovou, pela primeira vez, ao colocar na Constituição um capítulo destinado à comunicação. Alguns daqueles artigos até hoje não foram regulamentados por leis infraconstitucionais e já seriam um grande avanço nessa luta contra o ódio que está presente na nossa sociedade.
O Conselho de Comunicação Social é um órgão do Congresso Nacional, previsto na Constituição. O CCS tem 13 integrantes titulares e 13 suplentes, que representam empresas e os trabalhadores do setor de comunicação social, além da sociedade civil. O órgão auxilia o Congresso em matérias relacionadas à comunicação social.
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