O Brasil passou por mudanças políticas, econômicas, sociais e de gestão que afetaram o desempenho do atual Plano Nacional de Educação (PNE). A constatação foi feita por convidados de audiência pública da Comissão de Educação (CE) nesta segunda-feira (19).Com o temaO PNE vigente e o novo PNE: continuidade ou ruptura?, esse foi o quinto debate do ciclo de audiências requerido pelo senador Flávio Arns (PSB-PR) visando nortear a elaboração do PNE para os decênio de 2024 a 2034. A expectativa é que o governo apresente a proposta no segundo semestre deste ano.
— A ideia é nos anteciparmos para não fazermos essas audiências só quando o plano, como proposta, chegar ao Congresso Nacional — disse Arns.
Segundo um dos diretores da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o PNE vigente passou por uma alteração no modelo econômico que o tornou inviável. Para ele, é essencial que essa diretriz econômica do país mude novamente para que o novo plano funcione.
— O Brasil viveu da década de 80 até 2016 uma fase de neoliberalismo transigente. O [atual] PNE nasce nesse período. Vários senadores, como o Arns, [trabalharam para] aprovarmos o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), a Emenda Constitucional 59, de 2009 [sobre recursos para o ensino e universalização da pré-escola], a política de cotas [ Lei 12.711, de 2012 ]… A partir de 2016, [o Brasil] mergulha no neoliberalismo intransigente, que não se preocupa com as políticas sociais. Toda essa demanda de recursos fica inviabilizada por um modelo econômico. Na prática, temos o mesmo valor nominal que era executado em 2016. A gente tem que ter coragem de superar isso. Diante de um modelo econômico que não demonstra clareza de ser substituído, o máximo que a gente vai conseguir é voltar para o período de neoliberalismo transigente, defendo que o PNE tem que ter continuidade — afirmou Daniel Cara.
Gerente de Políticas Públicas do movimento Todos Pela Educação, a professora Ana Gardennya Linard apontou as dificuldades de continuidade que o novo PNE sofreu com a alternância de governos nos últimos anos. Além disso, ela mencionou sete metas do plano não cumpridas como exemplo da importância do seu monitoramento.Entre as metas não cumpridas, está a universalização do ensino de crianças e adolescentes, disse Ana Linard. O PNE é composto de 20 metas com suas respectivas estratégias, que são monitoradas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
— O plano passou por certos obstáculos políticos no nosso país, começando pelo governo Dilma, que foi interrompido, seguido pelo governo Temer que teve curtíssimo tempo. Logo em seguida veio o governo Bolsonaro, que foi um desastre para a educação pública, inviabilizando financiamento de quase todas essas metas. O Brasil de 2013 e 2014, que foi utilizado como espelho [para o atual PNE], não é o Brasil de hoje. Precisamos olhar primeiro para a vulnerabilidade educacional, para as questões não só socioeconômica, mas também de raça e de gênero. [Também] é preciso olhar o monitoramento das metas, se questionar o porquê [de não terem sido alcançadas] e entender que as metas precisam de orçamento para garantir sua execução — disse Ana Linard, que também vê os efeitos da pandemia de covid-19 como desafio a ser superado no novo PNE.
O presidente do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede), Ricardo Tonassi Souto, reforçou que 86% das metas do PNE vigente não foram cumpridas. Ricardo também afirmou que a legislação deve manter o que funciona, como a possibilidade de professores com formação apenas em ensino médio atuarem na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental.
— Temos um percentual gigantesco de metas que não foram cumpridas. Os tribunais de conta e Ministério Públicos deveriam atuar de forma ainda mais dura com esses descumprimentos. E que mantenhamos o que funciona. Dificilmente você encontra alguém que teve formação no magistério de nível médio e ele diga que aprendeu a dar aula na faculdade. Essa cultura do bacharelismo, de que todos têm que ter uma educação de nível superior para que tenha uma qualidade é uma falácia — disse Ricardo Souto.
O presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Nelson Cardoso do Amaral, afirmou que o novo PNE deve manter a meta de que o investimento público em educação corresponda a 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Para isso, Amaral analisou dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que compara o desempenho de estudantes pelo mundo na faixa etária dos 15 anos.
— Se o Brasil aplicasse exatamente os valores médios [gastos pelos outros países por estudante de instituições públicas em 2019], 13,8% do PIB brasileiro de 2019 [deveria ser investido na educação]. Essa meta de 10% não pode ser abandonada no novo PNE — advertiu.
Os participantes da audiência pública manifestaram apoio ao projeto de lei de Flávio Arns que estabelece punições para gestores em caso de má gestão na educação. O Projeto de Lei (PL) 88/2023 , que cria a chamada Lei de Responsabilização Educacional, tramita na própria Comissão de Educação e também é objeto de uma série de audiências públicas.
Os convidados Nelson do Amaral, Ricardo Souto e Daniel Cara também apontaram a importância do ensino técnico profissionalizante como meio de preparar os estudantes para o mercado de trabalho. Flávio Arns lembrou que o Senado deve criar a Frente Parlamentar em Favor da Educação Profissional e Tecnológica (Frente EPT), prevista no Projeto de Resolução do Senado (PRS) 31/2023 , do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP).
— Na semana passada foi aprovada [na Comissão de Educação] a criação da Frente EPT. É uma iniciativa para valorizar esse debate — disse Arns.
O PNE é um plano estabelecido por lei que abrange o período de dez anos e determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional. Previsto na Constituição de 1988, o plano baliza os estados e municípios na elaboração de seus respectivos documentos, chamados planos subnacionais. A integração dos entes federativos na área é prevista não só na Carta Magna, mas também na Lei 9.394, de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB).