Há mais de seis décadas, quando Juscelino Kubitschek sonhou com a construção de uma capital no centro do país, o presidente vislumbrou um caminho para a descoberta de um novo Brasil. Prestes a completar 63 anos, Brasília renova a cada geração esse desejo de JK ao criar uma cultura própria que pouco a pouco ultrapassa as barreiras do quadradinho.
A cidade que já projetou nomes como Renato Russo, Cássia Eller, Patrícia Pillar, Welder Rodrigues, Alexandro Carlo, Dinho Ouro Preto e tantos outros vive um novo momento, com uma leva de artistas e personalidades que representam Brasília para além do Distrito Federal.
AAgência Brasíliaconversou com alguns desses nomes para saber o que Brasília representa para eles e o quanto a capital federal os inspira. Confira.
Inspiração visual
Nos últimos anos, o branco tão característico da arquitetura de Brasília foi se transformando em um mural para artistas visuais. Entre tantos grafiteiros que vão deixando a arte pelas ruas, está a designer gráfica Camilla Siren, conhecida por trabalhos com paleta de cores bem saturada e colorida em que a figura feminina é o foco.
Já são quase nove anos que ela se dedica a projetos pelas ruas do DF. “Enxergo a cidade como um laboratório cheio de possibilidades. A arquitetura me inspira, com suas formas orgânicas, concreto e branco que quase brilham como uma tela. A minha imaginação fica a mil pensando no tanto de cores que meu coração gostaria de colocar nesses monumentos, mas, ao mesmo tempo, é esse mesmo branco brilhante que me permite respirar e me inspirar a criar”, filosofa.
É essa inspiração que ela também leva para os murais que faz em outros estados e países. “Busco sempre pintar algo que faça referência a Brasília, o degradê do nosso pôr-do-sol, as linhas orgânicas e limpas da nossa arquitetura, elementos dos azulejos e até a nossa flora. É notório como são elementos e cores muitos singulares”, afirma.
Traços contemporâneos
São os traços modernistas de Oscar Niemeyer e a funcionalidade do urbanismo de Brasília que inspiram a designer e fundadora da marca brasiliense Miti Shoes, Natália Miti. “Essas influências da cidade dão o tom do meu desenho e dos aspectos de versatilidade dos nossos produtos”, explica. Fundada em 2012, hoje a marca trabalha com calçados, acessórios e roupas.
Apesar de ser paulista, Natália tem o coração brasiliense, já que Brasília foi o local onde a marca nasceu e criou seu DNA. Para ela, a cidade significa muito mais do que um sonho de Juscelino: “Brasília é fruto de um projeto multidisciplinar executado com excelência”.
Com mais de uma década de existência, a etiqueta ganhou o Brasil e o mundo levando características da cidade nos produtos. “Gosto de poder transmitir um pouco do legado dos atributos da cidade e espalhar funcionalidade e contemporaneidade para além das fronteiras do nosso quadradinho”, defende.
Batuque candango
Nascida e criada em Sobradinho e com a carreira impulsionada pelo movimento cultural do Boi de Seu Teodoro, por meio do qual foi apresentada à percussão, a musicista Larissa Umaytá acabou de rodar o país ao lado do grupo brasiliense de pagode Menos é Mais. A experiência é só mais uma entre as tantas da artista, que já tocou com Ellen Oléria, Hamilton de Holanda, Teresa Cristina, Dilsinho e Luedji Luna e praticamente todos os nomes que ainda estão na cena brasiliense, como Letícia Fialho, Dhi Ribeiro e Teresa Lopes.
Para Larissa, Brasília é um espaço-escola de conexão entre culturas. “Acho que a cidade influencia no meu trabalho pela capacidade que tem de se comunicar com diversas linguagens. Isso me faz querer mergulhar de cabeça na vivência, na música, na cultura e no ritmo dos outros”, diz a artista, que passeia pelos estilos da música popular brasileira.
Sobre a oportunidade de rodar o Brasil levando o nome de Brasília, ela afirma ser algo que lhe traz satisfação: “Quando eu viajo para algum lugar e digo que sou uma percussionista de Brasília, as pessoas sempre ficam impressionadas. É um verdadeiro orgulho levar a palavra de Brasília para outros lugares. Agora, só acho que Brasília precisa se reconhecer também. Muitas vezes, a gente valoriza tanto a cultura de outro lugar e acaba deixando de lado o que é produzido aqui dentro”.
Produção multicultural
Uma cidade criada a partir de várias culturas, Brasília ostenta até hoje a influência dos outros estados brasileiros. Essa multiculturalidade dá o tom da produção local. É o que explica o comunicador Guilherme Tavares, um dos idealizadores do festival Favela Sounds.
“A produção criativa do DF é uma verdadeira escola de referências, com gente de todo o país fazendo ecoar manifestações de importância ímpar. É esse movimento de troca entre pessoas, sotaques e temperos que faz do DF esse coração de mãe de um país inteiro”, afirma.
Nascido em 2016, o festival já reuniu mais de 20 mil pessoas em Brasília e também tem circulado o mundo compartilhando a experiência das edições, graças ao reconhecimento que a produção local vem ganhando. “Brasília ocupa hoje posição de prestígio diante do mercado de música nacional e global, porque chegou a um volume de projetos e iniciativas de reconhecimento público que realmente impressionam gestores culturais e agentes do mercado em todo o canto. Hoje a cidade faz frente à oferta do eixo dominante [Rio-São Paulo] sob os pontos de vista de inovação, visibilidade e criatividade”, diz Tavares.
Cenário ideal
A escritora Fabiane Guimarães, 31, se mudou para o Distrito Federal quando tinha 17 anos. Vinda de Formosa (GO), apaixonou-se pela cidade e firmou morada por aqui, onde deu os primeiros passos profissionalmente na escrita ao lançar os dois romances:Como se fosse um monstroeApague a luz se for chorar, obras que a projetaram nacionalmente.
A cidade é apontada por ela como o local em que encontrou a paz necessária para o ofício da escrita. Mais do que isso, Brasília virou os cenários de suas histórias. “Por muito tempo, achei que a literatura não teria lugar para mim, que ninguém gostaria de ler algo que se passasse nessa terra. Mas descobri que essa é a geografia perfeita para minha ficção. Essa foi uma cidade inventada que, às vezes, ainda me parece ser de mentira, mas que também é muito verdadeira e cheia de delicadezas. Viver aqui é uma experiência que abastece minha criatividade”, destaca.
A notoriedade que a autora tem tido fora do DF a faz formular outro desejo como escritora de Brasília: “Meu propósito é sempre trazer outros olhares para a capital, um olhar novo e muito distante do centro político”.
Temperos gastronômicos
Quem vive em Brasília sabe que, ao longo das seis décadas, o quadradinho se expandiu e é representado por todas as 35 regiões administrativas do Distrito Federal. É na Praça da Bíblia em Ceilândia, a cidade mais populosa da capital, que o chef Karl Max mostra a força da gastronomia local oferecendo na rua uma infinidade de pratos que vão de macarrão a churrasco. “A cidade me influencia por ter uma diversidade de temperos, abrindo um leque de possibilidades para criação de novos pratos e cardápios temáticos”, conta.
Atuando hoje em uma tenda, Max foi chef de cozinha do Hotel Nacional por 16 anos e tem no currículo o fato de já ter cozinhado para grandes autoridades – do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao governador Ibaneis Rocha. Mas você pensa que ele quer voltar às cozinhas tradicionais? De jeito nenhum – até porque os próprios políticos vão à praça só para degustar as receitas do chef brasiliense.
“Me orgulho muito quando pessoas de outros estados estão de passagem em Brasília e vêm nos conhecer, apreciar nossos pratos e levá-los consigo na memória e no paladar. É muito gratificante esse reconhecimento, principalmente, quando somos comentados além das fronteiras do Distrito Federal e do nosso país”, ressalta.