A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou nesta terça-feira (18) um projeto de lei que consolida e atualiza normas para o mercado de seguro privado no país. Conhecida como Marco dos Seguros, a proposta ( PLC 29/2017 ) tem o objetivo de modernizar e aprimorar as regras de contratos de seguros, para conferir mais segurança jurídica às transações. O texto segue agora para a análise do Plenário.
O colegiado também aprovou pedido de urgência para acelerar a análise da proposta. Baseado em um texto que tramita há mais de 20 anos no Congresso ( PL 3.555/2004 ), o PLC 29/2017, da Câmara dos Deputados, recebeu parecer favorável do relator, senador Otto Alencar (PSD-BA). Ele acatou texto alternativo apresentado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, com emendas, substituindo o projeto dos deputados.
Entre as medidas mais importantes, está a proibição de extinção unilateral do contrato pela seguradora. Hoje existe apenas o entendimento da Justiça de que é abusivo o cancelamento unilateral do contrato de seguro. Além disso, o projeto prevê a criação de um questionário de avaliação de risco, que deverá ser preenchido na contratação do seguro, e a permissão para resolução de conflitos em foros da Justiça de todo o país, não só no local de sede da seguradora.
De forma geral, a proposta altera dispositivos do Código Civil ( Lei 10.406, de 2002 ) para regular o mercado de seguros privados, abrangendo todas as negociações que envolvam consumidores, corretores, seguradoras e órgãos reguladores. Trata ainda de princípios, regras, carências, prazos, prescrição, normas específicas para seguro individual ou coletivo e outros temas relacionados ao seguro privado.
O texto também regulamenta o resseguro, quando o risco já é coberto por outra seguradora, e retrocessão, que consiste na cessão a um segundo segurador de parte das responsabilidades aceitos pelo primeiro segurador.
De acordo com Otto Alencar, o Brasil foi, em 2023, a nona maior economia do mundo, mas esteve apenas na 18ª posição global no mercado de seguros, segundo dados da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor).
“Tais dados mostram o quanto a atividade securitária ainda pode se expandir no Brasil, gerando oportunidades para os empresários da linha de frente do mercado, aumentando o produto interno bruto brasileiro e, principalmente, absorvendo os riscos econômicos e os riscos da vida aos quais os brasileiros estão sujeitos. A existência de um adequado marco legal é a condição para que esse objetivo possa ser atingido”, avalia o relator.
Conforme o relator, o texto alternativo aprovado pela CCJ manteve a mesma estrutura do projeto original e grande parte de suas normas. Entre as principais mudanças feitas naquela comissão, ele destaca a exceção à aplicação exclusiva da legislação brasileira nos contratos de seguro.
Na CCJ, foi incorporado ao texto que a lei nacional não será aplicada a seguros contratados por brasileiros no exterior nos casos já previstos na Lei Complementar 126, de 2007 : cobertura de riscos para os quais não exista oferta de seguro no país; cobertura de riscos no exterior para o período em que o segurado se encontrar no exterior; e seguros que sejam objeto de acordos internacionais referendados pelo Congresso Nacional.
Fora isso, o projeto torna exclusiva a aplicação da lei brasileira à regência de todos os contratos firmados por seguradora autorizada a operar no Brasil, mesmo que a seguradora esteja fora do país. Também serão aplicadas as normas nacionais quando o segurado tiver residência no país e quando os bens garantidos estiverem no Brasil.
Das medidas já previstas no projeto original, Otto Alencar destaca a jurisdição nacional no julgamento de litígios. Hoje existe controvérsia sobre qual foro é competente para analisar as reclamações: se o que está na região do segurado, que pode ser em qualquer lugar do país, ou o que está na região da seguradora, cuja sede é sempre a mesma.
Pelo texto, o foro competente para as ações de seguro é o do domicílio do segurado ou do beneficiário, salvo se eles pedirem para ser no domicílio da seguradora. “Isso traz segurança jurídica para as relações contratuais, independentemente da assimetria de poder de mercado existente entre as partes”, afirma Otto.
O projeto prevê a elaboração de um questionário para avaliar os riscos no momento da contratação do seguro. Dessa forma, a seguradora só poderá alegar que houve omissão por parte do segurado caso ele tenha deixado de dar alguma informação, desde que tenha sido questionado.
O questionário também servirá como base para uma eventual perda da indenização pelo cliente por agravamento de risco. Portanto, caso seja comprovada a intenção do segurado de aumentar as chances de sinistro, o cenário será comparado com o conteúdo das respostas do questionário.
Também foi aumentado o prazo para a recusa da proposta pela seguradora para 25 dias, ao invés dos 15 dias anteriormente previstos pelo texto original. Já em relação aos seguros de pessoas, houve alteração do prazo da carência legal de dois anos para sinistros decorrentes de suicídio, mantendo a disciplina atual do Código Civil, ao contrário da versão anterior do PLC, na qual o prazo estava em um ano.
Outra mudança importante proposta pelo texto alternativo, conforme o relator, diz respeito aos procedimentos a serem tomados em caso de agravamento do risco. O texto alternativo acrescentou a exigência, para recusa da indenização, de prova por parte da seguradora do nexo entre o sinistro e o agravamento do risco.
Pelo texto, o segurado deve comunicar à seguradora o agravamento de um risco tão logo tome conhecimento. Depois de ciente, a seguradora terá o prazo máximo de 20 dias para adequar o contrato. Hoje a legislação estabelece prazo de até 15 dias. Se o segurado descumprir propositalmente esse dever, perderá a garantia.
Em relação aos prêmios de seguro, o projeto veda o recebimento antecipado, evitando abusos e tornando certo que a seguradora apenas possa receber e reter prêmios de operações que tenha realizado.
A seguradora terá até 30 dias para o pagamento dos sinistros e, caso precise de alguma documentação complementar para liberar o pagamento, terá 5 dias para solicitar a apresentação ao segurado. Esses dias serão subtraídos do prazo para o pagamento, que passa a ser de 25 dias.
Porém, o prazo ficará suspenso até que os documentos sejam apresentados, e será retomado a partir da formalização da entrega. Se o prazo expirar, a organização terá de arcar com juros, e o valor a ser pago será corrigido.
A nova versão do projeto prevê a possibilidade de autorização da autoridade regulatória para isentar a responsabilidade da seguradora cedente no caso de cessão de carteira, situação em que uma seguradora repassa seus contratos vigentes para outra companhia, afastando a necessidade de concordância prévia dos segurados e beneficiários. Quando há cessão de carteira atualmente, a seguradora cedente segue respondendo pelos contratos mesmo após o repasse deles a outra companhia.
A seguradora que ceder sua posição contratual, no todo ou em parte, sem concordância prévia dos segurados e seus beneficiários conhecidos ou autorização prévia e específica da autoridade fiscalizadora, será solidariamente responsável com a seguradora cessionária.
O projeto propõe um aumento no prazo para aceitação tácita de uma proposta de seguro, de 15 para 25 dias, dando mais tempo à companhia para analisar se vai aceitar ou recusar uma solicitação. Somente se passar de 25 dias, a proposta será considerada aceita.
Ainda segundo o PLC 29/2017, a proposta feita pelo segurado não exigirá forma escrita, o que permitirá meios digitais para a formalização do contrato — prática que já vem sendo usada pelas empresas de seguro.
O texto prevê ainda alteração na vigência do prazo prescricional, ou seja, o intervalo de tempo em que um cliente pode entrar na Justiça contra uma seguradora. Atualmente, o prazo começa a contar a partir da data do sinistro, mas o projeto prevê a mudança para a data da negativa dada pela companhia.
Pelo texto, ocorre cosseguro quando duas ou mais seguradoras, por acordo expresso entre si e o segurado ou o estipulante, garantem o mesmo interesse contra o mesmo risco, ao mesmo tempo, cada uma delas assumindo uma cota de garantia.
O seguro cumulativo, por sua vez, é quando a distribuição entre várias seguradoras for feita pelo segurado ou estipulante por força de contratações independentes, sem limitação a uma cota de garantia.
O senador Otto Alencar propôs emendas ao substitutivo da CCJ. Ele inclui no texto que, se a seguradora, ciente do sinistro, não identificar beneficiário ou dependente do segurado para receber o seguro, no prazo prescricional da respectiva pretensão, o valor passará à União.
Outra medida incluída pelo relator prevê que o contrato celebrado sem que o proponente tenha sido informado previamente sobre o conteúdo será regido pelas condições contratuais previstas nos modelos que vierem a ser depositados pela seguradora no órgão fiscalizador de seguros, para o ramo e a modalidade de garantia constantes da proposta.
Para exemplificar a importância do mercado de seguros, o relator citou o caso recente do Rio Grande do Sul, colocado em situação de calamidade pública por causa das enchentes. A Confederação Nacional das Seguradoras divulgou que os avisos de sinistros somavam, até 24 de maio, R$ 1,7 bilhão em indenizações. Por outro lado, a Confederação Nacional dos Municípios estima que os danos patrimoniais decorrentes desse desastre são da ordem de R$ 10,4 bilhões.
Otto ressalta que, assim, o setor securitário deixou de cobrir cerca de 84% dos riscos a que estavam sujeitos a população gaúcha. “O ideal seria que o sistema nacional de seguros privados se aproximasse de absorver quase a totalidade desses riscos. Em mercados mais desenvolvidos, o setor securitário blinda a economia de eventos climáticos, assegurando tanto empresas, lavouras e comércio, quanto também fazendo a cobertura da infraestrutura pública, de pontes, da rede elétrica, de estradas etc.”, explica ele.
Além disso, o relator destaca que, do ponto de vista das contas públicas, a ampliação da cobertura securitária desonera o orçamento governamental, que acaba sendo, em última instância, o segurador de eventos como esses.