Em Pirituba, na zona norte de São Paulo, está localizado há mais de 90 anos o Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (Caism) Philippe Pinel, hospital de administração direta da Secretaria de Estado da Saúde (SES-SP) voltado para a assistência em saúde mental. O ambiente de 77 mil m² comporta, além das alas psiquiátricas, o Ambulatório TEA (Transtornos do Espectro Autista), onde são atendidas 240 crianças e adolescentes, que recebem suporte educacional e terapêutico.
É no Pinel que Regina Célia Araújo de Oliveira, de 72 anos, avó materna das irmãs gêmeas com autismo não verbal, Lívia e Paola, de 13 anos, buscou auxílio para o desenvolvimento das meninas. A dificuldade de contato visual, ausência da fala, irritação e o andar na ponta do pé indicavam um comportamento atípico, mas sem ao menos saber o que era o Transtorno do Espectro Autista (TEA), a família recebeu o diagnóstico quando as garotas estavam prestes a completar 5 anos.
Por meio da diretora de uma escola onde a mãe das gêmeas lecionava, a família conheceu o serviço no Pinel. “Eu disse para a minha filha deixar eu ir, pois acreditava que por ser de idade, com os cabelos brancos, nos dessem mais atenção, mas nem precisava disso, fomos muito bem recebidas”, diz Regina.
No início do atendimento, as gêmeas conseguiram passar por processos que pareciam complexos como o desfralde, a ida ao dentista e até mesmo o hábito de cortar as unhas. “Para cortar as unhas da Lívia tinha que ser o pai, a mãe e eu para segurá-la. Nos orientaram a apresentar o cortador todos os dias na hora do banho, até que depois de três anos, ela passou a gostar da ideia e estendeu a mão pedindo que cortassem suas unhas”, conta a avó.
Em outro momento, uma das gêmeas começou a ranger os dentes, então a avó, preocupada com os efeitos que o hábito pudesse causar, decidiu conversar com a coordenadora do serviço que lhe ensinou a massagear a gengiva da neta e usar outras táticas até que a menina cessasse o costume.
Dona Regina relembra quando as gêmeas iniciaram o acompanhamento odontológico no Pinel. Resistentes às consultas, elas não se adaptaram tão facilmente à ideia de ter alguém analisando suas bocas, então a dentista encontrou uma forma de atendê-las. “Para conseguir olhar os dentes das meninas, ela ia até a área externa onde ficavam brincando para elas se acostumarem, até que, com toda a paciência da dentista, um ano depois, as meninas passaram a ser atendidas em consultório e já se sentavam na cadeira do dentista”.
Hoje Paola já permite que a dentista olhe toda a sua boca. Lívia ainda não, então durante a consulta é necessário o auxílio dos terapeutas para deixá-la mais confortável. “Todo mês a doutora quer vê-la para ter certeza que está tudo bem. Imagine ter acesso a isso e não precisar pagar pelas duas? Por isso, fico tão agradecida por cada carinho e cuidado com elas”, afirma a senhora emocionada.
O processo até a adaptação
A família já havia buscado inúmeros tratamentos, como o método padovan, para reorganização neurofuncional, e equoterapia, que visa estimular as habilidades motoras e o desenvolvimento psicossocial. Entretanto, ambos os métodos eram caros, sobretudo, se somados ao ensino em escola particular onde as garotas estudaram, que apesar de ser pago, não oferecia a assistência necessária às gêmeas.
A avó se recorda do dia em que foi buscar Paola e ao chegar na escola, encontrou a menina no chão brincando com as tintas, enquanto a professora dava aula para o restante da classe. Indignada com o que viu, questionou a docente. “Por que ela é autista ela não precisa aprender? Não é justo pagar o que se paga e minha neta ficar no chão mexendo com tinta enquanto as outras crianças estão aprendendo”, indagou a avó que, posteriormente, optou por trocar as meninas de colégio.
Com noites de sono comprometidas, os pais de Lívia e Paola não conseguiam dormir por conta da agitação das meninas. Para ajudá-los, a avó passou a acordar às 3h da madrugada para cuidar das netas, pois a mãe entrava às 11h no trabalho e o pai, que também começava o seu dia cedo, passou a dormir no sótão para tentar descansar.
As madrugadas eram extensas e as gêmeas, quando não passavam horas chorando e inquietas, brincavam como se fosse dia. Foi nesse período que Dona Regina diz ter encontrado a melhor medicação indicada pelo médico do Pinel para as meninas, que passaram a dormir a noite toda.
Tempos depois, os pais se separaram, e as gêmeas, junto com a mãe, foram morar com a avó. Ela é quem leva as netas para a terapia e escola, onde podem interagir com outras crianças. “Acho importante elas conviverem com as crianças típicas e atípicas”, afirma Dona Regina.
O incentivo pelo desenvolvimento
Em um dia de caminhada dentro do Pinel com as crianças do grupo de terapia, Dona Regina observava as netas de longe enquanto fazia atividades de artesanato em um espaço destinado para os pais e responsáveis, quando Lívia começou a correr antes do início do exercício. Os funcionários foram atrás da menina e diziam “Aqui com a gente”, colocando-a no ponto de partida carinhosamente. “Fizeram isso repetidas vezes, o que me ajudou porque hoje as meninas conseguem me acompanhar em todos os lugares. Elas sempre andam junto comigo”, afirma a avó.
Dona Regina enxerga a terapia como um processo lento e diz que a paciência é o caminho para alcançar a evolução. “Quando recebemos o diagnóstico, o autismo era novidade, na verdade é até hoje, ele é uma caixinha de surpresa, pois quando você pensa que está evoluindo, tem uma regressão. O autismo é realmente impressionante, mas não se pode desistir, tem que acreditar sempre”.
Sobre o Ambulatório TEA
O Ambulatório Transtornos do Espectro Autista que tem parceria firmada com a AMA (Associação de Amigos do Autista) por meio de um convênio com a Secretaria de Estado da Saúde. Em atividade desde 2008, o atendimento especializado pode ser requerido pelo familiar de crianças a partir de 2 anos ou de adolescentes até 17 anos e 11 meses, que sejam diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Tendo em vista a necessidade de ampliação, no último ano o hospital duplicou a capacidade de atendimento, que passou de 120 para 240 pacientes. De acordo com Andreia Ramos da Silva, diretora técnica do hospital, o serviço tem como principal objetivo proporcionar o acesso qualificado, oferecer a assistência necessária ao desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida das crianças com autismo.
A diretora explica que receber o atendimento qualificado e um diagnóstico precoce do autismo poderá gerar maior bem-estar emocional, social e funcional para o paciente. “Dentre os benefícios, podemos destacar o desenvolvimento cognitivo, que inclui a habilidade de linguagem, comunicação e raciocínio; o desenvolvimento social e emocional, que melhora a capacidade de interação e regula as emoções; e a adaptação a ambientes diferentes, facilitando novas experiências e a ampliação do seu convívio social”, afirma.
A terapia é realizada a longo prazo e de acordo com a intensidade que cada paciente requer, considerando o nível de suporte de autismo. “Os ganhos são diários e é possível perceber que as crianças evoluem e respondem aos estímulos desde as atividades mais básicas até as mais complexas”, diz a diretora.