Em audiência pública promovida pela Comissão de Educação e Cultura (CE) na tarde desta terça-feira (16), especialistas em educação fizeram críticas e sugestões para o projeto de reforma do novo ensino médio ( NEM — PL 5.230/2023 ). Outro debate sobre o assunto está previsto para quinta-feira (18), às 14h. A senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO), relatora da proposta, foi quem apresentou o requerimento para a audiência ( REQ 24/2024 ) e dirigiu a reunião. Para a senadora, a audiência pública é um importante momento “de arranjo, discussão e democracia”.
— Não temos compromisso de manter o texto da Câmara para votar logo. Mas nossa tarefa é urgente, pelos alunos — afirmou a senadora.
O presidente da CE, senador Flávio Arns (PSB-PR), reconheceu que há muitos desafios a serem enfrentados na área da educação e, especialmente, em relação ao ensino médio. Ele lamentou o fato de muitos alunos do nível médio terem necessidade de trabalhar. Para o senador, o programa Pé-de-Meia, um incentivo financeiro para a permanência do aluno no ensino médio, é uma importante iniciativa do governo federal. Flávio Arns ainda disse que o projeto do novo ensino médio é uma oportunidade de o Brasil avançar na educação.
— O que queremos é entregar para a sociedade um documento bem elaborado, que aponte alternativas seguras e necessárias — declarou o senador.
O diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica, da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), Alexsandro do Nascimento Santos, disse que o ministério procurou escutar diversas vozes para a construção de uma proposta para o ensino médio. Ele disse que o projeto de lei retoma componentes curriculares que foram fragilizados, como a filosofia, e uma carga horária de 2.400 horas para a formação geral básica — hoje é de 1.800 horas. Segundo o diretor, a proposta do governo é também implantar uma padronização básica para os chamados itinerários formativos. Santos ainda admitiu que uma reforma mais profunda precisa contar com melhor infraestrutura física para as escolas e melhores salários para os profissionais de educação.
— Precisamos de uma política para o ensino médio que dê conta de outras demandas que vão além do currículo — afirmou o diretor, destacando que a oferta de ensino médio a distância deve ser feita em um regime de excepcionalidade.
Pela manhã, o ministro da Educação, Camilo Santana, participou de audiência pública na Comissão de Educação e defendeu a análise e aprovação do projeto de lei "o mais breve possível".
O coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE), Heleno Manoel Gomes Araújo Filho, disse querer um ensino que colabore com o pleno desenvolvimento da pessoa, conforme previsto na Constituição de 1988. Para Heleno Filho, o novo ensino médio precisa ter foco na solidariedade, e não na competição. Ele disse que tanto a lei do NEM ( Lei 13.415, de 2017 ) quanto o projeto em tramitação não atendem às demandas sociais. Heleno Filho entregou à senadora Dorinha um documento com uma série de sugestões para o projeto do NEM. Com base em uma pesquisa realizada pelo FNE, o coordenador informou que mais de 92% dos alunos defendem a revogação da lei do novo ensino médio:
— A reforma do ensino médio de 2017 não atende a nossa juventude — alertou.
De acordo com a diretora da Secretaria de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Rosilene Corrêa, a reforma de 2017 tem um viés neoliberal preocupante, porque reforça as desigualdades educacionais. Ela disse que a reforma atinge principalmente uma população jovem e periférica, e pediu que o Senado recupere parte do texto original do projeto, que teria sido perdida na tramitação da Câmara dos Deputados. Na visão da diretora da CNTE, o ideal seria a revogação da lei do NEM, mas é possível afirmar que há avanços no projeto enviado pelo governo.
— Precisamos partir da posição em que estamos, que é a tramitação do projeto. Se não vamos ainda revogar, precisamos renovar o ensino médio para melhorar e buscar mais investimentos. Queremos que o Senado não reafirme o que a Câmara fez. Do jeito que está, o projeto não atende aos estudantes e à sociedade — declarou Rosilene, que também entregou à relatora uma pasta com sugestões de mudanças no projeto.
Para o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e representante do Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade, o novo ensino médio é hoje o debate mais importante para o Brasil na área de educação. Ele disse que o coletivo compilou 142 pesquisas científicas realizadas entre 2021 e 2024 que evidenciariam os efeitos negativos do novo ensino médio. Na visão de Cara, o ensino médio integrado ainda é o melhor modelo. Ele defendeu as 2.400 horas voltadas para o currículo padrão, ante as 1.800 horas atuais (mudança prevista no projeto em análise na CE). Para o professor, porém, a implementação do novo ensino médio naturaliza as desigualdades sociais.
— Precisamos de soluções equilibradas e factíveis. O projeto precisa superar a exclusão escolar e preparar o estudante para o ingresso na faculdade e no mercado de trabalho — sugeriu Cara.
Consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Luiz Antônio Caruso apresentou uma pesquisa realizada no ano passado entre alunos, professores e gestores do ensino médio. Segundo a pesquisa, 55% dos alunos se mostraram insatisfeitos com as mudanças decorrentes do NEM. Outros 63% criticaram a mudança na carga horária. Entre os professores, 76% se mostraram insatisfeitos com NEM. Já entre os gestores, esse índice é de 66%.
A audiência foi feita de forma interativa. Por meio do Portal e-Cidadania , internautas enviaram críticas e sugestões sobre o novo ensino médio. A senadora Professora Dorinha Seabra destacou algumas dessas mensagens. O internauta Alexandre, do Rio de Janeiro, questionou a padronização dos itinerários. Ana, do Rio Grande do Sul, sugeriu o uso dos institutos federais como padrão de qualidade do ensino médio. Já Angélica, de Minas Gerais, disse que o foco do ensino médios deve ser o preparo do aluno para a vida profissional e acadêmica.
O PL 5.230/2023 é uma alternativa apresentada pelo governo para substituir o novo ensino médio, instituído por lei em 2017, mas cujas regras começaram a ser aplicadas em 2022 para parte dos alunos até a suspensão do modelo, em 2023, para reavaliação. Uma das principais mudanças propostas pelo projeto de reforma é a recomposição da carga horária para a formação geral básica, que vinha sendo reivindicada por especialistas e movimentos ligados à educação. A carga, que pelas regras atuais do NEM é de 1.800 horas, pelo projeto em análise passa a ser de 2.400 horas.
O projeto foi aprovado em março pela Câmara, na forma de um substitutivo (texto alternativo) do deputado Mendonça Filho (União-PE). Ele foi ministro da Educação entre 2016 e 2018, época do lançamento da primeira versão da reforma.