A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) adiou a votação e concedeu pedido de vistas da proposta de emenda à Constituição (PEC) 10/2022 , que permite o processamento e comercialização de plasma humano pelas iniciativas pública e privada para desenvolvimento de novas tecnologias e produção de medicamentos. A matéria era um dos oito itens da pauta desta quarta-feira (30), mas, sem consenso, teve a votação adiada após um debate entre os senadores.
Vários parlamentares manifestaram preocupação com o texto, já que o art. 199 da Constituição proíbe a remoção remunerada de tecidos, órgãos e substâncias humanos. Durante o debate, a relatora, senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), apresentou um novo relatório e anunciou a retirada, da proposta, de coleta remunerada de plasma. Daniella Ribeiro afirmou que tem buscado o diálogo na tentativa de chegar a um texto de consenso. O líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), disse ter ido esta semana ao gabinete da senadora acompanhado do senador Humberto Costa (PT-PE) — opositor da proposta —, em busca de um texto consensual. Segundo ele, é preciso mais tempo.
Os senadores querem assegurar que a PEC seja mais clara e evite interpretações equivocadas a respeito de qualquer permissão de pagamento ao doador em troca da coleta de plasma. O que, segundo Daniela Ribeiro, foi assegurado, na versão do relatório apresentada nesta quarta-feira.
— Retiramos a palavra 'remuneração' com relação à doação do plasma — afirmou a relatora.
O substitutivo de Daniela Ribeiro permite a autorização para comercialização do plasma humano para uso laboratorial, desenvolvimento de novas tecnologias, produção nacional e internacional de medicamentos hemoderivados. O objetivo seria atender à demanda interna e reduzir a dependência externa do Brasil no setor de derivados do sangue e biotecnologia. Segundo a senadora, o Brasil é 100% dependente da importação de medicamentos para atender aos pacientes com hemofilia e outras doenças relacionadas à coagulação sanguínea.Daniella Ribeiro disse que a Hemobrás, estatal responsável pelo processamento e distribuição de hemoderivados, ainda não tem condições de suprir a demanda da população.
— Não há motivos para que o país não abra o mercado para a iniciativa privada, desde que o SUS seja preferencialmente o primeiro atendido, mas que as pessoas, cidadãos e cidadãs que hoje necessitam, e olha que eu recebi muitos, e não só muitos, mas representantes de associações que sofrem de doenças autoimunes e que precisam tanto [...] da albumina, da imunoglobulina, de todos esses derivados que venham atender. Se a preocupação aqui é saúde, são todos esses derivados que venham atender pessoas que sofrem dessas doenças — argumentou Daniella Ribeiro.
Mas os senadores Marcelo Castro (MDB-PI) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) ainda manifestaram dúvidas e pediram mais tempo para analisar o texto. Segundo eles, o substitutivo modifica consideravelmente a PEC apresentada pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS). Eles também disseram que as regras podem trazer reflexos negativos para o Sistema Único de Saúde (SUS).
— Quando vem à minha cabeça comercializar isso, de certo, não seremos nós, como acertadamente disse o senador Marcelo Castro, que somos privilegiados que iremos a um banco de sangue e receberemos uma quantia para que daquele sangue extraído se extraia também o plasma. Os senhores já imaginaram quais são as consequências a serem, a partir deste momento, geradas? Aquilo que é desmonte de carro será desmonte humano, porque aí vai sangue, vai coração, vai tecido, e isso recairá sobre quem menos pode — disse Veneziano.
Para Marcelo Castro, com as alterações feitas por Daniella Ribeiro, trata-se de outro substitutivo. Tirar do texto a remuneração pela coleta, disse, era um "ponto crucial", um "divisor de águas", pois do contrário se criaria uma situação em que as pessoas pobres fariam filas para vender sangue, como aconteceu antes da Constituição de 1988. Castro leu sua emenda, encaminhada à relatora, pela qual, segundo ele, poderia haver consenso. De acordo com a emenda, uma lei disporá sobre as condições e requisitos para o processamento do plasma pelo poder público e, em caráter complementar, pelo setor privado, sob demanda do Ministério da Saúde.
— Se está faltando plasma, quem é que vai dizer que está faltando? É o Ministério da Saúde que vai [fazer] essa demanda para o setor privado. [Com] sua autorização específica para fins de desenvolvimento de novas tecnologias e produção de hemoderivados destinados a prover de modo prioritário o Sistema Único de Saúde — disse Castro.
Os senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Dr. Hiran (PP-RR) elogiaram e defenderam a aprovação do relatório de Daniella Ribeiro. Para reverter o cenário de dependência, o Brasil criou a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás). Ela está voltada a produção de hemoderivados a partir da coleta de plasma humana desde 2007. No entanto, de acordo com Daniela Ribeiro, a empresa não atende nem 10% da demanda doméstica. O mesmo alerta fez Dr. Hiran.
— O Brasil só fabrica um hemoderivado: só fabrica a albumina. Temos outros hemoderivados. Nós temos fatores de coagulação, de que não se falou aqui. Nós temos fatores protrombínicos, de que não se falou aqui. E, se a gente não flexibilizar esse marco legal, nós não vamos trazer empresas de inovação para investir nessa política de fabricação desses hemoderivados aqui, o que cerceia o acesso.
Por fim, com a anuência da relatora, o senador Weverton (PDT-MA), presidindo a reunião, acolheu o novo pedido de vista.
— Percebe-se que, com um pouquinho mais de diálogo aí, vai se evoluindo para a possibilidade de construção desse acordo, desse entendimento — disse Weverton.
Ainda na reunião desta quarta-feira os senadores decidiram adiar ou retirar de pauta outros projetos. Como o Projeto de Lei Complementar(PLP) 70/2023 , impede a redução dos coeficientes de distribuição do Fundo de Participação dos Municípios até a publicação dos resultados definitivos do próximo censo demográfico. O pedido foi feito pela própria relatora, senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO).
Também tiveram votação adiada a PEC 31/2023 , do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), que aumenta gradualmente o percentual de recursos do Orçamento da União aplicado em ciência e tecnologia e a PEC 8/2021 , do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que restringe decisões individuais de juízes. Ambas foram adiados a partir de pedidos de vistas do senador Humberto Costa.